Era para ser só uma carta.
Mas cada linha escrita traz a intensidade dos pensamentos de um pai, que se viu num acontecimento divisor de águas.
O ano era 2009. O mesmo em que nosso amado pai João Batista descobriu o câncer. Ele havia voltado de uma formação espiritual, em que foi lhe cobrado expor sentimentos.
Até aquele exato momento ele não era de falar muito. A doença veio como um rompimento bruto no jeito vivido por ele até ali.
A partir daquele exato diagnóstico, algo mudou.
E por mais que ele tenha passado a falar de seus sentimentos a partir daquele dia, que tenha permitido a nós, seus discípulos, o abraço mais forte e profundo do mundo, nunca vamos saber o que de fato passava por aquela cabeça. Quantas expectativas, frustrações, medos, alegrias, arrependimentos, realizações...
Tudo tão desconhecido como o universo.
Isso! O pai era um universo de momentos, grandes e pequenos. E os tivemos, sorte a nossa!
A partir do tratamento do câncer, ele nos possibilitou chegar mais em seu coração, ao mesmo tempo que nos blindava de muitas coisas. Era um escudo, um protetor, um herói.
Vou ser sempre repetitiva neste quesito. Pois nunca vou me cansar e esquecer desses grandes e pequenos momentos.
Memórias, cicatrizes boas, tatuagens da alma.
Passados 10 anos do primeiro diagnóstico, ele partiu.
Era um dia 9 de julho, do ano de 2019.
A partir daí, a comunicação transcendeu.
Até que, um certo dia, no ano de 2023, minha irmã amada Angélica e, posteriormente, meu mano Dú, foram a um centro espírita para conhecer demais pessoas que também sentiam a presença de seus entes queridos, mas queriam saber se estavam bem.
E a sorte nos encontrou novamente.
Ambos foram brindados com uma carta.
Em ambas, o pai diz estar tudo bem!
Em mais detalhes, na carta direcionada ao Dú, ele descreve nossos nomes e alguns momentos vividos.
Eu fiz a leitura da carta, em um encontro em família.
Impossível não se emocionar.
A serenidade da escrita, a preocupação com nossos sentimentos, a semelhança da letra que transcorre na carta com a do pai, além da assinatura idêntica "João Batista" arrepiaram.
Pai, somos à moda antiga.
Gostamos de carta.
Gostamos de mensagem.
Gostamos de saber se está bem olho no olho. Obrigada por aparecer nos meus e nos sonhos de alguns de nós.
Acima é uma carta para o senhor.
Qual a saída pra você que não expõe seus sentimentos?
Eu diria: não sei!
Só sei dizer como encaramos esse problema e como mudamos na mudança da percepção de vida de nosso pai.
A partir do que ele e a mãe precisavam, e o que nós desejávamos apenas estar, nos moldamos. E cada um entregou o que tinha em si.
Angélica cuidou à sua maneira, mesmo que de longe.
Adelita cuidou dos detalhes.
Elizete gostava de conversar com o pai e com a gente.
Eu entreguei o amor, apesar de sempre estar muito emotiva junto ao pai, mãe e irmãos.
Dú era o único que conseguia passear com o pai, mesmo ele estando muito debilitado.
E durante o tratamento e no período posterior à doença, falamos desses sentimentos e entendemos que cada um juntou seus próprios cacos pra formar um quadro novo.
Mesmo com seus retalhos, esse retrato da vida foi perfeito. Pois onde tem amor, sempre é e será!
O que te digo pra fazer?
Vou parafrasear Fernando Pessoa.
"Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes".
Assim termino minha carta a você!
Obrigada por estar comigo. Com a gente.
Ah, por último, trago parte da carta psicografada que recebemos do pai. Apenas para ver a semelhança da assinatura real com a da carta.